Muitos crimes envolvendo jovens também têm relação com vingança e dívidas Foto: Lucas de Menezes
Tanto
Antônio Gilberto quanto Francisco Leandro estão entre os 26
adolescentes assassinados somente nos primeiros quinze dias deste mês de
julho, na Grande Fortaleza, o que representa quase duas mortes por
dia. Quatro deles, sequer, foram identificados, pois não portavam
documentos. Esses dados fazem parte de um levantamento realizado pelo
Diário do Nordeste.
De
acordo com o levantamento, não há uma centralização desses
assassinatos em Fortaleza. Para se ter uma ideia, as 25 mortes
ocorreram em 22 bairros diferentes. Em apenas três bairros, ocorreram
mais de um homicídio. A Granja Lisboa registrou três mortes; a
Aerolândia duas; e o Jangurussu outras duas. Isso comprova a
disseminação da violência entre crianças e adolescentes na Capital. Na
maioria dos casos, o motivo das mortes apontado pela Polícia é um
possível envolvimento com o tráfico de drogas.
Para
o titular da Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SDH), Demitri
Cruz, o cenário onde hora o adolescente é vítima e outra hora é agressor
está inserido em um contexto social bem amplo. Segundo ele, o
envolvimento com o tráfico de drogas está relacionado diretamente com o
momento que vivemos no Brasil: o da indústria do consumo. "Atualmente,
há no País um bombardeio de desejos e frustrações a partir do consumo.
Isso gera as crianças e adolescentes para esses espaços de violência. O
tráfico de drogas está inserido nesses espaços", ressalta ele.
Para
amenizar as mortes, conforme Demitri é preciso ir até a raiz do
problema e intervir de forma articulada no tráfico e nas redes
organizadas. "Acho que se faz necessário a integração de políticas
sociais com a repressão. Essa intervenção precisa ser territorializada
com a participação da comunidade. Temos alguns resultados positivos no
´Território da Paz´ no bairro Bom Jardim".
Proteção
Ainda
de acordo com o secretário, para remediar ou evitar que mais mortes
aconteçam, será implantado no Ceará, até o fim do ano, por intermédio do
governo federal, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAAM). "O programa funciona como remédio para
situações emergências", avalia Demitri Cruz.
Como
publicado no último dia 2 de abril no Diário do Nordeste, instituições
cearenses que lidam com defesa, proteção e atendimento a crianças e
adolescentes não têm para onde enviar jovens ameaçados de morte.
A
assistente social e pesquisadora do Laboratório de Estudos da
Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC) Mara Carneiro
partilha da mesma opinião do secretário e acredita que a violência está
ligada diretamente à construção de uma sociedade baseada no consumo,
que, consequentemente, gera jovens com características individualistas e
violentas.
Exceções
Em
contrapartida, a pesquisadora ressalta que não se pode atrelar todos
os crimes ao tráfico de drogas. Muitos, segundo ela, também tem relação
com vinganças e dívidas.
Além
disso, ela destaca que, mesmo se os crimes tiverem ligação com o
tráfico, a vida dessas crianças e adolescentes não pode ser banalizada.
"A sociedade não deve achar natural que a criança ou o adolescente foi
morto pelo envolvimento com drogas", acredita.
Para
Mara Carneiro, a violência é gerada pela desvalorização da vida humana
e pela ausência dos direitos essenciais para essas crianças e jovens.
Diante desse cenário, conforme a pesquisadora, o Estado está tirando a
possibilidade desses meninos e meninas de sonhar.
"Eles
perdem a capacidade de sonhar, pois o seu contexto social não permite
que isto aconteça. Muitas vezes, o único espaço que conseguem enxergar é
o crime. E o utilizam com uma forma de autoafirmação", finaliza a
assistente social.
Educar ainda é a melhor prevenção
O
número de jovens e adolescentes assassinados, muitos deles
relacionados ao tráfico de drogas, assusta e leva a pensar se uma
solução para situação, de fato, é possível. Para o assistente social
especializado em Dependência Química e coordenador do Centro de
Recuperação Mão Amiga (CREMA), Luiz Carlos Favaron, o problema maior
decorre da falta de um sistema de educação mais eficiente.
Toda
droga, segundo diz, leva ao consumo compulsivo e à obsessão, e o
crack, por sua vez, ataca o sistema nervoso central do usuário,
abalando áreas da ética e da afetividade. Em virtude disso, de acordo
com ele, o dependente químico se torna capaz de fazer uma porção de
atos quando está em crise, como o ato de vender coisas, por exemplo.
"Muitos na sua fissura não têm como arcar com a dívida e lançam mão de
objetos da própria casa", diz.
Para
o coordenador, o adolescente nessa situação acaba estando sujeito aos
riscos que gera a economia da droga. Aliado a esse fato, explica ele,
está a posição dos traficantes, que agem sem o menor respeito e
preocupação pela vida humana. "Já fazem algo terrível, que é a venda.
Matar, para eles, é o de menos", afirma.
Por
essa questão é que se faz necessário, de acordo com Favaron, um
trabalho educativo mais presente, com a participação da família e da
escola, com mais diálogo e ocupando esses menores de alguma maneira,
assim como também mais oportunidades de emprego e capacitação para esses
jovens.
Equipamentos
Como
agravante à situação, o assistente social destaca que as políticas de
atenção aos usuários de droga não atingem os adolescentes de forma
satisfatória no quesito tratamento, uma vez que faltam vagas nos centros
de recuperação e locais com equipamentos adequados no atendimento e
recuperação desses jovens, conforme prega o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
Em
relação a isso, o especialista considera que há omissão do Município e
do Estado no sentido de encarar o problema da droga com a devida
seriedade. "Estamos, hoje, sem um conselho municipal sobre drogas e sem
receber recursos do fundo nacional sobre drogas. Isso já poderia
proporcionar mais liberdade para as entidades em fazerem um programa
preventivo mais eficaz", exemplifica.
Fonte: Diário do Nordeste
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