Em Irapuá, a criação tradicional de galinhas é feita por mulheres
FOTOS: SILVANIA CLAUDINO
Ao
todo, 13 mulheres participam do grupo, atendido pelo Projeto Dom Hélder
Câmara. Além do incremento da renda, a criação de aves proporcionou
transformações na rotina das criadoras, como mais tempo livre e melhor
qualidade de vida
Um grupo em Nova Russas é retratado na pesquisa, que analisa as possibilidades da avicultura tradicional
Nova Russas.
Tendo como objeto de estudo um grupo de avicultura tradicional
acompanhado pelo Projeto Dom Hélder Câmara, da comunidade de Irapuá,
neste Município, o médico veterinário e pesquisador Felipe Jalfim
elabora sua tese de doutorado, a qual segue o mesmo tema de sua
dissertação de mestrado, defendida em 2008: "Agroecologia e Agricultura
Familiar em tempos de globalização: O Caso dos Sistemas Tradicionais de
Criação de aves no Semiárido Brasileiro".
O estudo, vinculado à
Universidade de Córdoba, na Espanha - onde Jalfim também concluiu o
mestrado -, já tem a primeira metade finalizada e está previsto para ser
concluído no início do próximo ano. O médico veterinário pernambucano e
mestre em Agroecologia discorre sobre a criação tradicional de aves no
contexto globalizado, ao mesmo tempo em que leva para o debate acadêmico
e militante, no âmbito da Agricultura Familiar e Agroecologia,
elementos teóricos-metodológicos que contribuem para o avanço e
desenvolvimento rural sustentável no semiárido brasileiro.
Embora
ainda em andamento, o estudo, de acordo com o autor, traz uma análise
das limitações e possibilidades da criação de aves realizada pela
agricultura familiar e pelo complexo avícola transnacional. Preenche uma
lacuna de estudos acadêmicos com respeito à atividade.
"É um
tema marginalizado, tanto no meio acadêmico, como em outros. Nunca se
olhou para a importância desse trabalho feito especialmente pelas
mulheres, na agricultura familiar".
Alimentos
Felipe
Jalfim constata que a degradação dos recursos naturais constitui um dos
problemas prioritários da região semiárida brasileira, mostrando a
dependência da maior parcela da sociedade local e agricultura familiar
dessa matriz produtiva.
"A produção de alimentos e outros bens
tem como finalidade não só o autossustento, como também a geração de
renda, elementos indispensáveis para o bem-estar e reprodução do modo de
vida da agricultura familiar na região", salienta Jalfim, na primeira
parte de seu estudo.
Segundo o pesquisador, a água, fator
limitante no clima devido à sua escassez, gerou maior volume de estudos,
conhecimentos e experiências, enquanto que a criação de animais, em
especial a atividade avícola, carece "de um maior amadurecimento e
melhor explicitação dos conhecimentos existentes", diz.
A questão
é, por meio da pesquisa participativa junto a 13 mulheres na localidade
distante 15 quilômetros da sede de Nova Russas, que criam
tradicionalmente aves, contribuir para que o sistema se torne produtivo,
resistente e gerador de renda para as famílias.
Assim, o
pesquisador e consultor do Projeto Dom Helder Câmara, órgão apoiador do
trabalho, espera provar que, com a utilização de estratégias, o sistema é
rentável, tem sustentabilidade, produz alimentos de qualidade e
propicia segurança alimentar.
"A atividade tem potencial e, por
meio de estratégias elaboradas em conjunto com as próprias criadoras, se
torna rentável, aliando-se a isso o resgate de uma cultura que aos
poucos está se perdendo no meio rural", defende Felipe Jalfim.
Diálogo
Segundo
ele, os técnicos reconhecem o saber da agricultora (criadora) e
interagem de forma ampla e multidisciplinar. Esses conceitos são os
pressupostos da Agroecologia, ciência nova que trabalha a agricultura de
forma sustentável reconhecendo o conhecimento do agricultor.
Dessa
forma, não há substituição de saberes. O conhecimento técnico e
científico não chega ao meio rural para se sobrepor ao conhecimento
tradicional das mulheres que, por gerações a fio, criam aves.
O
experimento e a troca de conhecimentos, segundo Jalfim, são a grande
proposta da Agroecologia e da pesquisa participativa aplicada na
comunidade, junto às famílias que participam do grupo da avicultura,
formado e acompanhado desde 2008 pelo Projeto Dom Hélder. "A ideia é que
esses conhecimentos se encontrem, dialoguem e gerem novos
conhecimentos. Vamos observando a sua forma de criar e testando novas
experiências junto com elas", ressalta.
Monitoramento
Em
meio ao diálogo de saberes, há o monitoramento das atividades
realizadas pelas mulheres na criação avícola. Por meio de um formulário
preenchido diariamente por elas, Felipe acompanha a atividade e suas
nuances, desde a montagem da estrutura física, postura, ração e milho,
reprodução à redução (consumo e predador). Os dados são coletados e
levados para uma tabela que realiza a análise. Daí, mensalmente o grupo
verifica os dados e toma decisões.
Exemplo simples desse diálogo e
da importância do monitoramento foi a decisão tomada pelo grupo sobre a
incorporação de cálcio na ração das aves, após as mulheres verificarem
um hábito inusitado que as aves passaram a ter de repente - bicar a
parede do galinheiro.
Através da suplementação alimentar, as aves abandonaram o hábito. Além disso, os ovos ficaram com a casca mais forte.
Geração de renda
"A produção de alimentos tem como finalidade não só o autossustento, como também a geração de renda"
Felipe Jalfim
Médico veterinário e pesquisador
Grupo de criadoras apresenta avanços
Nova Russas.
O grupo de avicultores da comunidade de Irapuá foi criado em 2008 pelo
Projeto Dom Hélder Câmara, órgão do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA). Com acompanhamento técnico do órgão, que atua junto aos
criadores no planejamento e execução das atividades, o grupo vem
atestando a sustentabilidade e rentabilidade da atividade. Os
avicultores produzem para consumo próprio e ainda comercializam o
excedente para os moradores da própria comunidade e para as escolas.
Vendem mensalmente para escolas cerca de 700 ovos.
"Estamos
satisfeitos com o nosso grupo, pois o nosso objetivo definido desde o
início era melhorar a nossa própria alimentação, e isso já alcançamos.
Além do mais, ainda vendemos o que sobra", diz Maria Salu, uma das 13
mulheres do grupo.
Segundo a supervisão do Projeto Dom Helder, o
grupo foi criado levando em conta a aptidão da comunidade, na qual
muitas mulheres tradicionalmente já tinham criação de aves, as chamadas
"galinhas caipiras". Com o apoio técnico do órgão, que disponibiliza
incentivo financeiro a agricultores interessados em participar do grupo,
assistência técnica por meio de visitas, monitoramento, consultoria,
acompanhamento e informações sobre oportunidades de comercialização, a
atividade vem crescendo e mostrando viabilidade.
"Trabalhamos há
seis anos na comunidade e a criação de aves é um destaque porque é uma
atividade que tem se renovado. O Projeto assiste as mulheres
considerando as suas experiências e intervém de forma a contribuir e
acrescentar. O diálogo enriquece, quebra paradigmas e possibilita
crescimento", ressalta Ana Paula da Silva, supervisora na região dos
Inhamuns.
O grupo recebeu investimentos de aproximadamente R$ 11 mil para iniciar a atividade.
Com
isso, em cada residência foi construído um aviário padronizado,
adquirido suprimentos, rações, vacinas e todo o material necessário para
a formação e evolução da criação.
A partir daí, e com as
instruções recebidas pelos técnicos e consultoria, novas formas são
empregadas na criação. As mulheres, que anteriormente criavam as aves
soltas no quintal e no "terreiro", como chamam popularmente, passaram a
criar no aviário. Ali, há espaço designados para a reprodução, postura
(deitar as aves), pintinhos e frangos. Com isso, poupam tempo e trabalho
na busca das aves que corriam para longe, que punham seus ovos em
ninhos feitos "no mato", em espantar predadores, entre outras situações
comuns na criação tradicional.
Transformação
Além
das mudanças na aquisição de renda pelas famílias com a atividade,
esses fatores são enumerados como avanços ocorridos por meio da criação
do grupo e do trabalho do Projeto na comunidade. "Percebemos
transformações evidentes na situação das mulheres, que com a criação
acompanhada pelos técnicos passou a ter mais tempo para outras
atividades, teve o seu trabalho mais valorizado pela própria família e
uma melhoria na sua qualidade de vida", analisa Ana Paula.
Outros
grupos também são trabalhados, na comunidade, pelo Projeto Dom Hélder
Câmara: apicultura e artesanato. Em ambos, há o acompanhamento da mesma
forma que no grupo de avicultura. Na apicultura, nove famílias são
beneficiadas e uma Casa do Mel está sendo construída, para ser utilizada
pelos produtores da localidade e região. Já o grupo de artesanato é
composto por 16 mulheres, que produzem peças em crochê.
Investimento
11 mil reais foram investidos na construção de aviários padronizados nas casas das mulheres que atuam na criação.
700 ovos são vendidos pelo grupo, mensalmente, para escolas, mostrando o potencial de geração de renda da atividade.
SILVÂNIA CLAUDINO
REPÓRTER
Diário do Nordeste
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