domingo, 18 de março de 2012

Síria vive revolta de incertezas

Clique para Ampliar
Manifestante participa de protesto contra a opressão promovida por Bashar al Assad
FOTO: REUTERS
Clique para Ampliar
Na capital síria, a população protesta contra o ataque indiscriminado das forças de Assad contra alvos civis na localidade
FOTO: REUTERS
Clique para Ampliar
Desgastada pela onda de violência, a Síria alimenta uma crise que parece estar longe de acabar

Há um ano, jovens de Deraa, inspirados nas revoluções da Primavera Árabe, escreveram nos muros da escola "o povo quer a queda do regime". A manifestação dos adolescentes foi o estopim para os intensos confrontos que tomaram conta da Síria. Amparada pela justificativa da destituição do ditador Bashar al Assad do poder, a revolta síria segue refletida em massacres diários que já ceifaram a vida de mais de 8 mil pessoas, em divergências diplomáticas e em tentativas de diálogo fracassadas.

Nenhum país ligado à mais recente onda de protestos que invadiu o mundo árabe viveu uma batalha mais longa do que esta, além disso nenhuma outra nação também sofreu tantas baixas e tantos danos para avançar tão pouco, seja lá qual for seu destino. Doze meses depois, a Síria, longe de qualquer ação de fora, vive uma intensa batalha entre opositores e situacionistas cujo desfecho, além de distante, é incerto.

Especialistas avaliam que a crise é muito mais complexa do que em outros países da Primavera Árabe - seja devido ao posicionamento geopolítico ou à própria formação étnica do país - o que justifica a demora de se chegar a um acordo político. Diante de uma luta de grupos fragmentados, pouco se sabe de uma proposta para a Síria pós-Assad. Por outro lado, denúncias de que a oposição pode estar sendo alimentada belicamente fazem crer, de acordo com analistas, que as manifestações não são parte de um movimento popular, mas se trata de uma conivência de interesses externos.

"Na Síria não ocorre uma manifestação espontânea. Países estrangeiros armaram pessoas para desestabilizar o regime. Além disso, a oposição é diferente. O país está desagregado e cada grupo se sente presidente, por isso o conflito está persistindo", avaliou o presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná, Jamil Ibrahim Iskandar.

Ao longo desses 12 meses, a luta pacífica por uma reforma no país transformou-se numa guerra disseminada por praticamente todas as grandes cidades, nas quais a oposição esbarra e morre nas mãos e nas armas do poder de Assad.

Muitas das pessoas que tomaram as ruas pedindo liberdades básicas e a queda da ditadura foram esmagadas pelo regime. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, passou de 8 mil o número de mortos após um ano do conflito entre o governo e os manifestantes.

Para o sociólogo e arabista, Lejeune Mirhan, a crise chegou num impasse por conta da intervenção das potências ocidentais sobre a oposição síria na condução do levante. Ele avalia que os grupos oposicionistas tentam de todo o modo derrubar o presidente, mas não dão condições de se chegar a um acordo pacífico para a transição do governo.

"O Ocidente estimula essa oposição armada e não dá nenhuma possibilidade de abertura para o diálogo. O impasse não é de responsabilidade do governo, ele quer negociar. A falta de superação da crise resulta de interesses externos que defendem a saída do presidente da Síria".

Segundo ele, o objetivo desse apoio externo é promover com a queda de Assad o enfraquecimento dos governos iraniano, libanês e iraquiano. "Essa intervenção é um caminho para enfraquecer o Irã, o Líbano e o Iraque. Se a Síria cair, o Irã será atacado por Israel com o apoio dos Estados Unidos", avaliou.

Lejeune lembra ainda que, num cenário de oposição fragmentada, é um engano pensar que o presidente está isolado politicamente no país. Ele avalia que, ao contrário do que é repassado pela mídia internacional, Bashar al Assad ainda tem um grande número de apoiadores, que se manifestam diariamente para apoiá-lo. "Na Síria, há um regime diferente. O presidente tem um grande número de simpatizantes e o exército ao seu lado. Eles querem tirar Bashar, mas tem oposição que dialoga com o governo".

De acordo com os especialistas, essa divisão da oposição vai gerar divergências na decisão de um plano político futuro para o país, caso o governo de Assad chegue ao fim. O professor Jamil Iskandar acredita que grupos radicais podem tomar conta da região. "Certamente, vai ter uma guerra civil se Bashar al Assad cair. Vai levar a um extremo oposto mais radical que tem no momento. Pode gerar um conflito entre diversas oposições", disse o professor, que defende a retomada rápida do diálogo entre os oposicionistas.

O cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Samuel Feldberg, discorda da opinião de que a revolta síria seja promovida por forças externas. Segundo ele, a manutenção do regime de Assad seria interessante para boa parte dos países ocidentais. Além disso, não se sabe ainda nas mãos de quem poderá chegar o governo. "O único benefício para esses países seria a substituição de um regime que é forte aliado do Irã, mas ainda assim seria muito difícil de se desenhar um cenário de que se substitua esse grupo", avaliou.

Para os analistas, a extensão dos conflitos reflete, ainda, o fracasso da ONU e da Liga Árabe em articular uma negociação pacífica com Assad. "Para derrubar um presidente, você precisa ter planos futuros concretos. Não é de uma hora para outra", defende Jamil Iskandar.

Segundo ele, a solução do conflito é a criação de um grupo de países negociadores independentes, no qual o Brasil tivesse participação. "Só uma negociação longa pode acabar com esse conflito", alertou o professor.

Análises

"Se a Irmandade Muçulmana derrubar Assad, não teremos democracia na Síria, mas sim uma teocracia"

Lejeune Mirhan
Sociólogo e arabista

"Para derrubar um presidente você precisa ter planos futuros concretos. Não é de uma hora para outra"

Jamil Iskandar
Especialista em mundo árabe

Sírio relata tensão na capital

Difícil para quem vive como alvo do conflito, a situação da Síria não deixa de ser apavorante para quem acompanha de longe os massacres na terra natal. Este é o caso do dentista Wail al Houch, que partiu da capital Damasco há 25 anos. "Nós estamos preocupados com a situação que se tem. Você tem duas frentes e cada frente fala duas coisas diferentes. Você não sabe no que acreditar, se é na história do governo ou dos revolucionários", relata Wail, que deixou na capital síria a mãe e irmãos.

O dentista disse que, quando esteve no país há dez meses para visitar os familiares, a situação de Damasco era aparentemente tranquila, mas a população seguia "sem vontade de viver a vida normal". Segundo ele, o que se via era uma cidade praticamente paralisada, com restaurantes pouco frequentados, aeroporto vazio e quase sem turistas.

Nos últimos meses, Wail avalia, que a rebelião que era para ter manifestações pacíficas, está seguindo um rumo mais armado. De acordo com ele, que mora em Fortaleza, se os massacres aumentarem, será necessário trazer a família para o Brasil. "Se piorar, a nossa intenção é chamar todo mundo para cá. Não sabemos o que pode acontecer, já que nem o governo, nem os revolucionários querem ceder".

Ao contrário do que dizem os especialistas, o dentista acredita que a onda de revolta na Síria é fruto de uma manifestação popular em busca de mudanças sociais. Ele defende que a busca pela queda de Bashar al Assad é uma consequência da falta de abertura do ditador para atender às demandas dos reformistas e do aumento da violência promovida pelas forças do governo. "Com o aumento da violência, eles pediram a queda do regime", analisa.

Wail avalia, ainda, que a fragmentação da oposição se deve ao fato de o país ter vivido por mais de meio século sob a égide de um regime ditatorial. "A Síria é um país que durante 50 anos não teve uma oposição. Quando você não tem essa experiência do outro lado, é complicado se formar uma oposição unida", defende o dentista. Para ele, a crise se torna mais complicada porque os oposicionistas ainda não encontraram um líder que possa substituir Assad.

Árabes ainda têm futuro indefinido

Um ano depois dos primeiros protestos do movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe, os países da região do Oriente Médio e Norte da África estão em momentos bem distintos. O processo revolucionário atingiu países como Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Iêmen, Jordânia, Marrocos, Argélia, Bahrein e Omã. Nos três primeiros, os regimes ditatoriais foram derrubados e novos governos devem emergir por meio de eleições livres e democráticas. Nos demais, os rebeldes ainda buscam, de maneira mais ou menos intensa, mudanças em seus governos.

Berço do movimento, a Tunísia elegeu no ano passado, o partido islâmico Ennahda na maiorias da cadeiras da Assembleia Constituinte. Segundo especialistas, embora o partido seja organizado, o processo de transição a uma democracia que respeite as liberdades será longo e complexo.

Este cenário também deve se aplicar ao Egito. No país, o presidente Hosni Mubarak deixou o poder em fevereiro de 2011 após ter ficado 30 anos no governo. Uma junta militar assumiu o controle a partir de então. Depois de forçar a renúncia do ditador, os manifestantes agora pressionam pela transferência do governo para civis.

Na Líbia, o cenário que ficou é de um quebra-cabeça. O país está fragmentado, não há um governo de unidade nacional e impera violento revanchismo. Milícias armadas disputam o poder com o Conselho Nacional de Transição (CNT) e relatórios recentes de ONGs apontam recorrentes violações de direitos humanos, assassinatos e torturas.

O sociólogo Lejeune Mirhan avalia que o Oriente Médio nunca será o mesmo depois da revolução árabe. Para ele, mesmo que as mudanças ainda não sejam sentidas, o movimento foi essencial para o rompimento dos regimes ditatoriais.

JULIANNA SAMPAIO
REPÓRTER
 
Diário do Nordeste

0 comentários:

Postar um comentário

Todos os comentários são lidos e moderados previamente
São publicados aqueles que respeitam as regras abaixo:

-Seu comentário precisa ter relação com o assunto da matéria
- Não serão aceitos comentários difamatórios
- Em hipótese alguma faça propaganda de outros sites ou blogs

Os Comentários dos leitores não refletem as opiniões do do TR.