Assassinatos misteriosos acarretam longas investigações e inquéritos sem solução
FOTO: KIKO SILVA
Em
2009, nada menos que 1.037 inquéritos que estavam parados nas
delegacias da Polícia passaram a ser reavaliados por uma força-tarefa
FOTO: NATINHO RODRIGUES
O
silêncio das testemunhas e o temor dos familiares das vítimas, além da
fuga dos criminosos e eliminação de pistas, contribuem para a impunidade
FOTO: JOSÉ LEOMAR
Conselho Nacional do Ministério Público diz que Ceará superou os demais Estados na elucidação de mortes
Os
dados são do Conselho Nacional do Ministério Público. A Polícia Civil
do Estado do Ceará conseguiu, em 2011, reduzir pela metade a quantidade
de inquéritos policiais antigos que estavam engavetados ou parados sem a
identificação de autores de crimes de homicídio. Desde 2010, pelo menos
1.037 inquéritos foram retirados das gavetas e prateleiras das
delegacias da Capital e sua região metropolitana e voltaram a ser
investigados. Destes, 544 foram revistos e, finalmente, os acusados dos
crimes identificados e indiciados.
A redução em 50 por cento dos
considerados ´casos insolúveis´ ocorreu, segundo as autoridades, graças à
constituição de uma espécie de força-tarefa formada por delegados,
escrivães e inspetores. Apesar de ser pequena, a equipe tocou as
investigações de casos remotos. "Havia no meio deles, inquéritos datados
de 1999 que estavam parados nas delegacias", afirma o delegado Jairo
Façanha Pequeno, diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE).
Grupo
Foi
a partir de um levantamento completo dos casos e de denúncias feitas
pelo próprio Ministério Público, através de sua Procuradoria Geral da
Justiça e, ainda, pelo Controle Externo da Atividade Policial, que a
Polícia, por ordem do então secretário da Segurança Pública, Roberto
Monteiro, deu início, em dezembro de 2009, a uma retomada das
investigações dos ´velhos´ crimes. Foi, então, criado uma força-tarefa
batizada de Grupo Provisório de Investigação de Homicídios, que se
instalou nas salas da antiga sede da Academia de Polícia Civil, no
bairro de Fátima, com a ingrata e complicada tarefa de revisar
inquéritos já amarelados pelo tempo.
Uma das principais
dificuldades dos delegados e inspetores foi localizar testemunhas e
informantes dos crimes. "Muitos não foram encontrados. Alguns porque
mudaram de endereço depois dos crimes, temendo represálias dos
assassinos. Mas teve também casos de que as próprias testemunhas foram
também eliminadas depois como queima de arquivo, vingança ou outros
motivos", contou um dos inspetores à Reportagem, na semana passada.
Segundo
o delegado Jairo Pequeno, os inquéritos estavam espalhados por várias
delegacias. Algumas apresentavam maior número de procedimentos
incompletos, outras menos. A falta de pessoal para a produção de provas,
isto é, diligências e investigações, foi o principal fator apontado
para que tantos casos ficassem sem solução.
"Mas também houve
casos de que, simplesmente, ninguém se propôs a falar, a dar depoimento,
com medo dos assassinos", ressaltou o inspetor ouvido pelo Diário do
Nordeste.
Impunidade
"A não resolução dos
crimes gera, além da impunidade, a vingança por parte de amigos e
parentes das vítimas. Isso é uma rotina aqui, com muitos casos sem
resolução", disse, na época da criação do grupo, o delegado Jacob
Stevenson Mendes, titular do 32º DP (Bom Jardim).
Somente daquela
distrital, responsável pela apuração dos assassinatos ocorridos no
´Território da Paz´ (formado pelos bairros Bom Jardim, Granja Portugal,
Canindezinho, Granja Lisboa e Siqueira), saíram direto para as salas da
Academia de Polícia, nada menos que 299 inquéritos relativos a crimes
ocorridos nos últimos 12 anos.
Somente antigos
O
delegado Jairo pequeno explica que coube ao Grupo Provisório de
Investigação de Homicídios apurar os crimes que estavam sem autoria
conhecida. Alguns inquéritos chegaram a ser encaminhados para a Justiça,
mas acabaram retornando à Polícia para a realização de novas
diligências solicitadas pelo Ministério Público.
Ainda conforme o
diretor do DPE, o grupo, subordinado a ele e coordenado pelo delegado
geral, Luiz Carlos Dantas, solucionou, até agora, casos relativos aos
crimes praticados até o ano de 2010. No momento, dois delegados conduzem
as investigações sobre assassinatos praticados de 2010 em diante e
cujos procedimentos estavam nas delegacias distritais e metropolitanas
da Grande Fortaleza.
A criação da Divisão de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP), já na gestão do novo secretário da Segurança
Pública e Defesa Social, coronel Francisco José Bezerra, deu impulso às
investigações sobre os assassinatos. O volume de inquéritos ali, porém,
já é extenso.
O delegado Jairo Pequeno esclarece que, quando
entrou em funcionamento, em setembro de 2010, a DHPP ficou responsável
pela apuração dos assassinatos de autoria ignorada a partir daquela
data.
´Inqueritômetro´ avaliou desempenho
Conforme
o Ministério Público, através do seu Conselho Nacional, desde 2010,
quando o órgão estabeleceu a meta de zerar em todo o País o número de
inquéritos de homicídios antigos, o Ceará reduziu o seu estoque de 1.037
casos para 493.
Os dados são divulgados através do
´inqueritômetro´, que, na verdade, trata-se de um medidor virtual da
produtividade na resolução de casos. Ele foi criado pelo próprio CNMP.
Outros
Estados brasileiros também tiveram destaque nesta avaliação.
Contraditoriamente, o Rio de Janeiro foi o Estado que mais concluiu
inquéritos de autoria de crimes até então insolúveis. Foram 13.261. Mas,
é também o Estado que mais possuía inquéritos inconclusos, nada menos
que 13.916.
Antigos
"O que queremos é que
estes inquéritos, se tiverem que ser arquivados, que seja da forma
legal", afirma Taís Ferraz, membro do Conselho Nacional do Ministério
Público. "O Ceará tem um ótimo índice de denúncia de resgate destes
casos antigos", afirma a conselheira.
Segundo Ferraz, a média no
Brasil é de 16 por cento em relação à denúncia feita à Justiça a partir
da resolução do caso através dos inquéritos. No caso do Ceará, nos
inquéritos relativos ao período entre 2010 e 2012, o Ministério Público
teve condições favoráveis para oferecer a denúncia dos acusados em cerca
de 24 por cento. Muitos criminosos estavam soltos, em completo estado
de impunidade.
O CNMP tem como meta zerar, até abril próximo, o estoque de inquéritos de homicídios que estavam parados.
Desaparelhamento
A
entidade, porém, reconhece que as autoridades policiais nos Estados
enfrentam uma série de dificuldades para a resolução dos casos, desde a
falta de pessoal e de aparelhamento dentro da esfera das instituição
policial até o medo de testemunhas e de parentes das vítimas em
denunciar os autores dos assassinatos, principalmente de crimes
atribuídos a traficantes de drogas ou a grupos de extermínio.
"Com
o acompanhamento do desempenho de cada Estado, nós conseguimos
identificar os principais gargalos que causam a estocagem de inquéritos.
O que ocorre, principalmente, é que os Estados têm um déficit muito
grande de recursos e de estrutura. Às vezes, falta até um reagente
químico (em perícia criminal) que possa levar à identificação de um
criminoso", assegura a conselheira do MP.
Taís Ferraz explica
também que os estados brasileiros que apresentaram um melhor desempenho
na resolução de inquéritos antigos, aprimoraram também a comunicação
entre a Polícia investigativa e o Ministério Público.
Execuções
No
âmbito dos inquéritos locais que foram encaminhados ao Grupo Provisório
de Investigação de Homicídios, grande parte referia-se a crime
praticados por ordem de traficantes de drogas, em bairros periféricos da
Grande Fortaleza (RMF).
FIQUE POR DENTRO
MP faz o controle externo do papel das polícias
Cabe
ao Ministério Público exercer a missão de controle externo da atividade
policial, isto é, fiscalizar o desempenho da Polícia em sua função
constitucional. A Polícia Civil, como ´braço auxiliar´ do Judiciário, é
destinada a apurar crimes, através dos inquéritos policiais. As
informações constantes neles - provas periciais, depoimentos, acareações
etc - vão servir de base para a denúncia a ser oferecida pelo
Ministério Público ao Judiciário quanto à autoria dos delitos e sua
extensão (gravidade). Já o papel constitucional das polícias militares,
como Polícia ostensiva - é o de prevenir, trabalhar para evitar que o
crime aconteça, e atuar também no campo da repressão.
Casos com mais de dez anos parados
O
32º DP (Bom Jardim) foi uma das primeiras delegacias escolhidas para o
envio de inquéritos não solucionados para a força-tarefa. Com alto de
índice de homicídios acumulado por vários anos, investigações de mais de
dez anos estavam paradas. Em dezembro de 2009, quase 300 casos foram
transferidos para serem investigados pelo Grupo Provisório de
Investigação de Homicídios.
Entre os inquéritos enviados à época
pelo titular do 32º DP, delegado Jacob Stevenson Mendes, muitos
continham apenas a pasta com a portaria. A justificativa era de que a
delegacia tinha que ser esvaziada para que os policiais pudessem se
´concentrar´ nos casos que ainda iriam ocorrer, pois aqueles crimes com
dois, cinco e até 12 anos, estavam no esquecimento.
Um desses crimes, não tão antigo, a morte do jovem educador social Danilo Pinheiro de Araújo, a época com 20 anos, é um exemplo.
Confundido
Danilo
foi morto em outubro de 2009, ou seja, dois meses antes do envio dos
inquéritos para o Grupo Provisório. Até hoje, os parentes do jovem
esperam que a Polícia descubra quem praticou o crime. Alexsandro
Pinheiro do Carmo, 33, luta pelo esclarecimento da morte do irmão. O
garoto, que trabalhava em uma organização social, no Canindezinho, foi
vítima de um suposto ´erro de execução´. Teria sido confundido com um
bandido que atirou num policial durante um assalto. Foi executado com
mais de dez tiros de pistola.
FERNANDO RIBEIRO
EDITOR DE POLÍCIA
(Colaborou, Emerson Rodrigues)
Diário do Nordeste
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