Já magros, os animais são vendidos por preço inferior no campo
FOTOS: A. CARLOS ALVES
Gado
é levado a percorrer longas distâncias até o barreiro mais próximo para
matar a sede. O esforço do retorno exige mais fonte de água
Sem água e pasto para sustentar os rebanhos, os criadores buscam meios para diminuir os prejuízos no campo
Iguatu
A seca que castiga a região do semiárido do Nordeste já provoca redução
na cotação de venda de animais bovinos, ovinos e caprinos. O preço do
quilo do boi vivo é comercializado hoje com queda de 28% em relação ao
praticado na semana passada. O quilo estava a R$ 3,50 e agora caiu para
R$ 2,50 nas feiras e mercados das cidades do Interior do Ceará.
Sem
condições de alimentar o rebanho, por falta de pastagem e em
decorrência da elevação de preço dos insumos (ração, milho, soja,
concentrados), os criadores estão antecipando a venda dos animais, que
ainda se apresentam com peso médio.
A maior oferta de carne no
mercado provoca redução de preço. Desde o início deste mês que animais
vindos de Pernambuco, que também sofre com a seca, abastecem o mercado
consumidor da região Sul, o Cariri cearense.
O desespero de
muitos produtores faz com que até matrizes (vacas) sejam vendidas para o
abate. "A situação é preocupante", disse o vice-presidente da Federação
da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), Paulo Hélder de Alencar
Braga. "O preço vai cair ainda mais". A Faec mostra-se preocupada com a
queda da produção leiteira do Estado, que estava em crescimento nos
últimos anos.
O presidente do Sindicato dos Produtores de Leite
do Ceará, Álvaro Carneiro Júnior, disse que, na próxima semana, haverá
audiência pública na Assembleia Legislativa para tratar da questão e
solicitar do Governo ações em socorro ao setor agropecuário. O
fornecimento de milho e de ração pela Conab são pautas presentes que
serão encaminhadas ao Estado.
Nos Municípios de Canindé e Santa
Quitéria, criadores de bovinos e ovinos estão amargando prejuízos com a
falta de pasto e água para os animais. Quem não quer ver o rebanho virar
alimento para urubus está vendendo pela metade do preço.
É o
caso do criador José Benevindo Sousa, da localidade de Santo Antônio, em
Santa Quitéria. Ele comprou uma vaca com bezerro por R$ 2,5 mil. Por
falta de condições de criar, vendeu por R$ 1,2 mil, 50% menor.
Outro
que se desfez do rebanho foi José Wilson Furtado. Residente no
Assentamento Oiticica, entre Canindé e Santa Quitéria, ele comprou cinco
vacas, em novembro de 2011, por R$ 8 mil. Agora, foi obrigado a vender o
gado por R$ 3,5 mil. "É inacreditável e inaceitável que os governos se
deixem surpreender mais uma vez pela seca no Nordeste. O fenômeno já
está suficientemente estudado e é perfeitamente previsível, mas, a cada
seca, se deixa surpreender", afirma o pecuarista Jose Wilson.
Nos
próximos meses, as dificuldades para manutenção dos rebanhos
aumentarão. O valor da ração também está mais caro. Uma saca de resíduo
custa R$ 36,00. Um saco de farelo R$, 26,00. Já um saco de milho atingiu
os R$ 40,00, enquanto uma carga de capim, que já não existe, é vendida
por R$ 20,00.
"O maior governo do pobre é o inverno. Sem ele, a
situação vira calamidade e quem não quiser ficar de esmolas, tem que
vender seu gado, seu plantel de ovino, porque não existem políticas
voltadas para ajudar o pequeno criador", critica José Wilson.
No
Sítio Pedras Pretas, Antoniel Martins, que até o início do ano mantinha
13 gados na sua propriedade, já se desfez de oito. "Não tem como manter
os animais, não existe comida no pasto e água, muitas das vezes, só
encontra num raio de 11 quilômetros. O gado vai beber e, quando chega no
curral, já volta com sede devido à distância", lamenta Antoniel.
Segundo informa, vendeu suas vacas ao preço de R$ 400,00.
De
acordo com o presidente da Associação dos Vaqueiros e Criadores dos
Sertões de Canindé, José Curdulino Filho, a situação já é de calamidade.
No campo não existe comida e nem água para garantir a permanência dos
animais. "Essas vendas irão continuar, porque ninguém vai querer ver um
patrimônio seu virar alimento de urubu", avisa ele.
Ovinos e caprinos
Se
na bovinocultura o quadro é de crise, na ovinocaprinocultura, os
criadores buscam alternativas. Em vez de gastar com ração, estão
abatendo os animais e vendendo no quilo. Clodolado Frederico Cruz, do
Assentamento Jerimum, em Canindé, disse que uma ovelha comprada em
janeiro por R$ 150,00, os donos de frigoríficos só querem pagar R$
80,00. Um carneiro que custou R$ 200,00, hoje só vale a metade. "Se
vendermos do jeito que eles querem, é prejuízo na certa. Não dar para
viver dessa forma, comprando caro e vendendo barato", lamenta Clodoaldo.
Segundo
ele, a melhor forma encontrada foi abater para depois vender de porta
em porta ao preço de R$ 10,00 o quilo. Depois de abatido, o animal chega
a pesar entre 13 e 15 quilos. "É melhor porque os prejuízos ainda são
menores. Mas, se continuar do jeito que vai, dentro de 30 dias não vai
sobrar ovino. Vai se acabar tudo", prevê.
"Nunca tinha visto uma
seca nessas proporções. Falta de tudo, e a única coisa que ainda segura
as famílias é o Bolsa Família e nada mais", disse.
O grande
gargalo de tudo isso é que a maioria desses animais foi comprada por
meio de financiamentos do Programa Nacional da Agricultura Familiar
(Pronaf) e, com certeza, esses agricultores terão que prestar contas com
o Governo Federal.
O pecuarista que está vendendo se livra de um problema de imediato, mas adia a solução de outro, o débito no banco.
HONÓRIO BARBOSA / ANTONIO CARLOS ALVES
REPÓRTER/ COLABORADOR
Nove Municípíos decretam emergência
Quixadá
A cada dia aumenta a preocupação com a falta de chuvas no Interior do
Ceará. A estiagem se prolonga e mais prefeituras estão decretando Estado
de Emergência. A última do Centro do Estado a reconhecer a situação de
calamidade pública foi Pedra Branca, ontem. Um dia antes, na tarde da
terça-feira, foi a vez de Ibaretama. No fim da semana passada, o
prefeito de Quixadá, Rômulo Carneiro, também decretou a medida
emergencial. Na região, segundo as Defesas Civis Municipais de Madalena e
Choró, as Prefeituras também já sancionaram a medidas no âmbito local.
Quixeramobim
foi a primeira cidade do Ceará a protocolar o pedido em Brasília, na
segunda-feira. Os técnicos da Defesa Civil Nacional têm 10 dias para
analisar o pedido. Não havendo pendências, a homologação sai rápido. O
coordenador municipal de Defesa Civil, Marcos Machado, aguardava ainda
para ontem, a publicação no Diário Oficial da União. "O reconhecimento
da Defesa Civil Nacional abrirá as portas para atendermos melhor as
famílias afetadas pela seca no nosso Município. Com os recursos
financeiros, será possível saciar a fome e a sede de muita gente",
explicou o coordenador.
Outros Municípios do Ceará já decretaram
Estado de Emergência no início do mês. É o caso de Miraíma, na Zona
Norte, cerca de 65Km de Itapipoca. Segundo Jesus Votan, assessor do
prefeito Roberto Ivens Sales, mais conhecido por "Betão", a medida foi
adotada dia 10 de abril.
Mas, até agora, não tem registros do
pedido no Ministério da Integração e nem na Defesa Civil Estadual. O
Município é um dos mais pobres daquela região. Depende exclusivamente da
agropecuária e, agora, do auxílio Federal e do Estado para assistir a
população nesta seca. Porém, o pedido de socorro ainda não chegou aos
órgãos oficiais.
Conforme a Assessoria de Comunicação do
Ministério da Integração Nacional, até o enceramento desta edição,
apenas Quixeramobim havia feito a solicitação. O pedido estava sendo
avaliado pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Para contar com os
recursos financeiros federais, os gestores municipais devem encaminhar
um Plano de Trabalho com as necessidades locais. Sem o atendimento às
normas estabelecidas conforme a Lei 12.340, a qual dispõe sobre as
transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados e
Municípios para áreas atingidas por desastre, não há como contar com o
amparo do Fundo Especial para calamidades públicas.
Uma
alternativa para agilizar o processo e solucionar pendências é recorrer à
Coordenadoria da Defesa Civil Estadual (Cedeca). A equipe da Cedeca
também acompanha e encaminha os pedidos ao Ministério da Integração. As
Prefeituras não têm nenhuma despesa. Todavia, segundo a assessora
técnica do órgão, Ioneide Araújo, até ontem, apenas quatro Municípios
encaminharam notificação à Cedeca. Choró, no Sertão Central, foi o
primeiro. Logo depois, Solonópole e Ibaretama. Iracema, na região
jaguaribana, foi o último. Embora a Defesa Civil Nacional seja a
responsável pela avaliação, a Cedeca é quem acompanha e fiscaliza as
áreas afetadas no Estado. Com o auxílio, o amparo chega mais rápido ao
homem do campo.
Dificuldade
Essa é a
expectativa de Francisco José dos Santos. Ele plantou dois hectares de
milho e de feijão em Ibaretama. Com boas chuvas, tira até 15 sacas de
milho e seis de feijão. Se ainda cair água neste ano, vai conseguir, no
máximo, uma saca de grãos.
"Mas, se demorar, o jeito vai ser
liberar a área para o gado do vizinho pastar. A folhagem ainda esta
verdinha, mas se o plantio está perdido, não é justo deixar os bichos
também morrerem de fome", afirma o agricultor.
Assim como
milhares de sertanejos, ele espera que o Estado de Emergência decretado
na sua terra não passe de conversa. Caso contrário, vão sofrer muito
mais até chover novamente.
ALEX PIMENTEL
COLABORADOR
Diário do Nordeste
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